Século XX

A Primeira República caraterizou-se por inúmeras dificuldades, designadamente pela participação de Portugal na 1ª Grande Guerra.

Quando a 1ª Guerra Mundial rebentou, Rio Tinto, contribui com o maior contingente de mancebos, a nível do concelho – 80 mancebos apurados. E tal como o resto do país teve as suas vítimas…

E a crise económica também aqui teve os seus reflexos, bem visíveis nas atas da Junta. Assim, nas atas de 1917/18, patenteia-se a falta de pão, com a organização do racionamento. Em 15 de Agosto de 1918, a Junta recebe boletins de família para serem preenchidos, confirmados e autenticados pela Junta para dar direito à primeira distribuição do açúcar que o Celeiro Municipal vai fazer por toda a freguesia e fazendo notar o grande número de habitantes, na quase totalidade pouco remediados, notando-se uma grande falta de alimentos, principalmente de pão.

O aumento dos custos, causado pela crise, é referido nas atas da Junta  de 2 de Abril de 1929, a propósito da necessidade urgente de alargamento do cemitério, para os terrenos contíguos, pertencentes a Manuel Fernandes de Oliveira. Tal alargamento urgia, devido a várias razões, apresentadas pelo “cidadão presidente”: aumento da população – que à data era superior a dez mil almas, aumento de óbitos, devido a epidemias, designadamente ao tifo.

Mais se denuncia “que alguns lavradores declararam que não podiam dispor de milho para as subsistências e depois o venderam por alto preço…” decide-se “oficiar ao cidadão regedor a pedir-lhe para passar um novo varejo aos mesmos lavradores e castigar severamente todos os que procederam daquela maneira e os que assim venham a proceder”.

Em 21 de Agosto de 1927, inaugura-se no cemitério de Rio Tinto os canteiros destinados a recolher os restos mortais dos Combatentes da Grande Guerra.

No período conhecido como Monarquia do Norte, a celebre Traulitânia (1919), os Trauliteiros mataram com maus tratos o jornalista Carlos Amaral, residente em Rio Tinto.

Recuperado o poder pelas forças republicanas, o país vive um período conturbado, que culmina com o movimento militar de Braga (28 de Maio de 1926).

A República, com o seu quê de anticlericalismo, encontrou em Rio Tinto os seus corifeus mas também os seus detratores – entre estes, lembraremos a Sr.ª D. Ernestina Perdigão, proprietária da Quinta dos Perdigões, que circulava ostensivamente com o emblema da Monarquia; quanto aos primeiros, salientaremos um grupo de cidadãos que requereu ao Governo-Civil a proibição da realização da procissão do Senhor Morto na  Sexta-Feira Santa.

Do Livro de Atas da Junta de Freguesia consta que:

Aos quinze dias do mês de Março de mil novecentos e vinte e um, reuniu pelas dezanove horas, no lugar do Mosteiro, a Junta de Freguesia, sob a presidência do cidadão Agostinho Nunes (…) O cidadão Francisco Peixoto (…) apresentou ainda a seguinte proposta: “Constando que a seita jesuítica desta freguesia, de que nós somos representantes, tenta fazer sair este ano, como já o fez o ano passado, a procissão do “Senhor Morto” e, conhecendo-se o resultado que tal facto provocou o ano passado e que, em outras localidades, este ano já provocou, o facto do saimento de tais espetáculos, proponho que na ata fique exarado o nosso veemente protesto bem como, caso tenha fundamento tal boato, se oficie às autoridades competentes para que lhes seja negada licença, mostrando-se-lhes o inconveniente de semelhantes fantochadas ultramontanas. Devo dizer que não me move, ao apresentar esta proposta, nenhuma animadversão contra semelhantes atos, se bem que não concordo com eles, mas faço-o principalmente para ilibar toda e qualquer responsabilidade que nos passa advir no caso que deixássemos passar este facto sem o nosso protesto, tendo em mira a manutenção da ordem pública, mormente nesta ocasião em que em outras localidades tem havido protestos, sendo à ultima hora negada autorização para tais atos.”

Apesar de tais medidas, a procissão teve mesmo lugar.

Em recolha oral feita em 1996  junto do Sr. António de Sousa Neves, por alcunha “O Melro” na altura com 92 anos, este corroborou essa informação que afirma que o Pároco, Manuel Francisco dos Santos, proibido de circular com as vestes talares, envergou a sua farda de capelão do exército, com a patente de alferes, cumprindo-se assim a tradição, já que os subalternos respeitaram a hierarquia e acompanharam a procissão.

O espírito republicano da junta de Rio Tinto, em 1919, está bem patente na ata  de 2 de Abril do mesmo ano, quando se resolveu “oficiar à Câmara Municipal ponderada a conveniência de voltar a ser o primeiro de Maio o dia de feriado de concelho, conforme fora deliberado pela primeira Comissão Municipal Administrativa Republicana”.

A Ditadura Militar cedo começou a sofrer contestações, quer a nível militar, quer civil, sendo que as primeiras revoltas tiveram lugar logo em 1926.

Quando rebentou a Revolta do Porto, em 3 de Dezembro de 1927, o General Sousa Dias pôde contar com o reforço das tropas de infantaria que, vinda de Vila Real, por aqui passaram a caminho da Estação de Campanhã, onde desembarcaram. E se nenhuma ação obteve o sucesso desejado – derrube do regime ditatorial – o certo é que gerações e gerações de portugueses  – e também de riotintenses, de nascimento ou de adoção – continuaram teimosamente a lutar para readquirirem a Liberdade.

Para além dos cidadãos anónimos, como Alfredo Santos, que residiu anos a fio numa “ilha”, na rua Dr. Cancelas, homens e mulheres como o Dr. Teixeira de Sousa  e sua família, a Engenheira Virgínia Moura e seu marido, o Arquiteto Lobão Vital, deram a cara  e a vida pela causa da Liberdade, sofrendo por isso, as agruras da prisão, as perseguições de natureza profissional, que o Estado Novo tão bem soube usar como forma de repressão.

Após a 2ª Guerra Mundial, com a vitória dos Aliados, a esperança renasceu em Portugal, mas foi pura ilusão. Em 1945, a oposição organizada no Movimento de Unidade Democrática (MUD), confia na sua palavra pública e solenemente empenhada por Salazar, e fornece-lhe as listas de apoiantes. Pagaram caro a sua ingenuidade.

Como refere Mário Soares:

“No funcionamento público, no professorado, em todos os lugares públicos ou onde houvesse influência do Estado, o facto de ter assinado as listas do MUD, era motivo para ser excluído, ou, pelo menos, preterido nas promoções e concursos. E isto anos a fio…”

E nesta onda de “saneamentos políticos”, lá esteve o Dr. Teixeira de Sousa, que sempre se recusou a assinar a célebre declaração anticomunista.

Momento alto desta luta continuada teve como cenário, o já derrubado Cine Teatro-Vitória, junto à Estrada da Circunvalação, na Ponte, de fronte ao viaduto onde hoje existe um condomínio, e que merecia um outro destino. Corria o ano de 1951, e era candidato da oposição à Presidência da República o Professor Doutor Ruy Luís Gomes. Cedendo às pressões do Governo, todas as portas se fecharam para a realização de um Comício de “campanha eleitoral”. O Jordão, proprietário do Cineteatro Vitória, foi dos únicos que enfrentaram o ditador, mas à saída, segundo Virgínia Moura  no livro Mulher de Abril, “a policia carregou sobre nós e feriu-nos. Ao António, ao José Morgado e ao Ruy Luís Gomes partiram a cabeça,  a mim fraturaram uma mão. Muita gente ficou ferida” e que para além da foto ficou registada na versão poética “Um Homem na Rua” (1996) da autoria de Dário Bastos que também viveu os acontecimentos.

Rio Tinto

Naquela noite em Rio Tinto…

Lembras-te?

Também me lembro

E nunca esquecerei…Foi à saída do cinema

Que fomos espezinhados,

Espancados

e o solo ficou tinto de sangue…

Naquela noite em Rio Tinto,

À saída do cinema,

Ouviu-se a voz do comando:

-À carga, à carga!

Barbaramente espancados…

E o nosso único mal

Era não concordar

Com a ditadura “paternal”!

Naquela noite em Rio Tinto …

Parece sina nesta terra dar tributo com sangue, nas várias causas em que, ao longo do tempo, se joga a sorte das liberdades: luta contra os mouros, lutas liberais, lutas contra a Ditadura…

Já em 1971, aquando da visita ao concelho de Almirante Américo Tomas, a Junta providenciou a presença do Chefe de Estado nas suas instalações, decidindo, conforme relatou o Secretário da Junta de então Sr. Agostinho Ribeiro “mandar pintar um pano, para ser colocado na varanda da junta os seguintes dizeres – RIO TINTO QUER SER VILA. Posteriormente veio a Junta a saber ter havido uma reunião entre o senhor governador civil do Porto – Major Paul Durão – e o Presidente da Câmara de Gondomar e começam então a aparecer os problemas:

– não haverá discursos de boas vindas.

– não podem pedir nada ao Senhor Presidente da República.

– não podem colocar panos ou papéis, com dizeres no edifico da Junta.

Fomos ainda avisados por pessoa amiga de certa movimentação da Direção Geral de Segurança.

Chegados ao dia da visita algumas pessoas apareceram no edifício da Junta de Freguesia a oferecer os seus serviços, no sentido de franca colaboração. Entre elas contavam-se alguns elementos da Banda Musical de S. Cristóvão, trajando à civil, a quem o secretário da Junta fez o seguinte pedido: temos aqui um pano que pretendíamos colocar na varanda da Junta, mas o protocolo da visita presidencial não permite. Portanto, agradecia aos senhores o favor de o colocarem, bem visível ali no adro da igreja, defronte da Junta. Assim foi feito…

Na passagem pela igreja, em direcção à inauguração das escolas primarias, logo se notou a ausência do tal pano. Mais tarde tomou a Junta conhecimento de ter sido tal pano levado por elementos da D.G.S, que antecediam o cortejo presidencial.”

E se o contingente de Rio Tinto para a 1ª Guerra Mundial foi um dos maiores do concelho, também na Guerra Colonial lutaram e morreram os mancebos riotintenses…

No cemitério, em 13 de Dezembro de 1970, inaugurou-se o mausoléu dos defensores do Ultramar. Em frente a capela mortuária interior, a Freguesia homenageia os soldados no Memorial aos combatentes e no Mausoléu dos Defensores do Ultramar.

Junto as escadas que dão acesso a parte inferior do cemitério encontra-se o Memorial dos “Combatentes da Grande Guerra 1914/18”; uma grande cruz de ferro negro, uma sepultura em terra batida e um cubo de granito com cubos vasados.

No jazigo só placas de antigos combatentes… dois deles morreram com idade avançada, um em 1984 e outro em 1987. Quanto à fotografia mostra, já se tratava de um homem idoso, mas a placa apenas refere “Combatente da Grande Guerra”. À esquerda deste, um jazigo de seis corpos, com lajes de mármore branco. Na Grande placa de granito lê-se “Defensores do Ultramar – Junta de Freguesia de Rio Tinto”. Há sete placas – jovens mortos entre 1969 e 1979. Alguns explicitam o território, Moçambique, Angola. Dois deles morreram em 1974 (Junho e Agosto de 1974). Estes últimos dizem expressamente “Falecido em combate em Angola”. Talvez quisessem dizer que, mesmo depois do 25 de Abril continuaram a morrer soldados no cumprimento da obrigação de serviço militar…

Há no entanto  outros soldados na Guerra Colonial que repousam neste cemitério como é o caso do Alferes Hernâni que, o nosso professor José Carlos Sousa, ainda conheceu e que morreu no dia em que este fazia 10 anos. Foram grandes os gritos de angústia que assolaram após o jantar desse dia 19 de janeiro de 1972 na rua onde este morara – a casa onde existe uma drogaria no Alto de Soutelo – e onde residia sua mãe e sua irmã que chegou a ser professora e que entretanto emigrou para o Luxemburgo.

Os autores da Monografia de Rio Tinto sugerem na obra que a Junta promovesse o seu arranjo e mantivesse permanentemente acesa a luz que, para além do símbolo cristão, representa também a chama da Pátria nestes dois jazigos.

Uma opinião sobre “Século XX”

  1. Boa tarde,
    Felicito-o pelo site. Vivo em Rio Tinto, freguesia da qual sei pouco. Valorizo pois a iniciativa.
    Numa investigação que estou a fazer deparo-me com Maria Ernestina Vasconcelos, casada com Francisco Perdigão, nascida em Rio Tinto.
    Admito que possa ser a mesma Ernestina Perdigão aqui referenciada, mas gostava de saber mais. Gostava tambám de saber se a Quinta dos Perdigões ainda existe e onde fica.
    Agradeço pois quaisquer informações.
    Cumprimentos

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